5as de cura...pela palavra | Alexandra Marques
Se o Natal é quando se quer, então as 5as também passam a ser. Neste caso, quando se pode, com tanta turbulência.
Não preciso de auxiliares de memória para regressar às diversas experiências de assédio moral que vivi entre 2017 e 2019. Estão ainda demasiado marcadas nestes corpo e mente. Por curiosidade, retorno sim a alguns registos em jeito de diário/pensamento prévios a e no dia 14 de Novembro de 2016, escrevia o seguinte:
Dia da super lua e dia de super surpresa: ligaram-me da Câmara Municipal de Almada a perguntar se ainda estava interessada em ir para Lisboa. Tudo a propósito de um CV enviado em 2012...
Hoje percebo que o inesperado foi mais um dos factores para me ter deixado sem capacidade de reacção durante tanto tempo.
Diz-se que "o amor é cego", por ficarmos inebriados pelo deslumbramento. Mesmo que sinais negativos estejam à nossa frente, não os iremos aceitar, criando uma realidade paralela, uma outra história, a que nós queremos ver. Auto-sabotamo-nos na falsa esperança de haver uma mudança para melhor.
Em termos profissionais, especificamente no contexto de assédio moral que descrevo, também comecei por negar as evidências. Afinal, um sonho de há tanto, tanto tempo (regressar a casa, à minha Lisboa, depois de dez anos na Madeira) estava a concretizar-se. Só poderia sentir-me feliz. Acreditava eu ser finalmente esta a oportunidade para crescer mais na carreira, ter mais formação, aprender com quem já tinha tantos anos de experiência. Esta era uma rede de bibliotecas com uma história com quase 30 anos no edifício marcante que a acolhe, para além disso, com um grande passado noutros espaços culturais. Onde estava antes, sentia que pouco mais poderia dar e aprender. As expectativas para esta nova etapa eram altas. E do lado de quem me acolhia o sentimento era mútuo, sabia-o. Por mim, ok! Gosto desse tipo de pressão que me estimula a pensar e a fazer mais além, contudo, como em tudo, quando se ultrapassam certas linhas, deixa de ser uma pressão saudável e passa a ser violência.
Curioso como o meu organismo tentou dar sinais (se parássemos mais para nos ouvirmos internamente, acredito que reduziríamos muitas das nossas doenças), quando após meros dois meses tive que ficar de baixa com uma amigdalite e uma estranha reacção alérgica ao antibiótico. No anterior serviço, apenas fui forçada a ficar em casa de baixa por causa de um acidente de automóvel. Nesta nova biblioteca (sítios de paz para tantos, hein! - aconselho o "Nas asas do desejo", de Wim Wenders), em tão pouco tempo, depois de um contacto surpresa em Novembro de 2016, entrevista em Dezembro seguinte e entrada logo em Janeiro de 2017 (imaginam fazer uma mudança da Madeira para Lisboa numa semana? Faço orçamento para este serviço, se precisarem de ajuda!!!), há um conjunto de acontecimentos que, acredito agora, me sensibilizaram ao ponto de fragilizar a minha imunidade (terá sido o inconsciente a tentar tornar-me consciente?):
1) fui separada da restante equipa, trabalhando num gabinete que nem pertencia à biblioteca - tal originou uma guerra por parte do orientador desse espaço que me disse, logo no segundo dia de trabalho "você não é bem-vinda aqui" (começo promissor, não acham? Amor à primeira vista!);
2) esta separação causou óbvias desconfianças na restante equipa, com consequente integração dificultada. Mas o argumento utilizado na altura pela chefia parecia válido para mim e eu até apoiava (estava mesmo ceguinha!!!): os colegas trabalhavam num ambiente open space e havia muito barulho. Eu teria tarefas que me obrigariam a concentrar, com muitos contactos telefónicos, com conversas com a chefia, daí ser necessário estar perto dela;
3) comecei a receber pessoas em reuniões que, à partida, pretendiam falar ou com a chefe de divisão ou com alguma colega responsável pelos assuntos que promoviam, coisa que para mim foi sempre muito difícil de identificar quem era responsável pelo quê, era conforme as marés (ora, eu tinha chegados há dias, poderia acompanhar nas reuniões para uma correcta integração e nunca assumir essas reuniões sozinha sem qualquer tipo de conhecimento do contexto);
4) com uma equipa a rondar as 50 pessoas, fui eu (lucky me!), a pessoa acabadinha de chegar, a ter a responsabilidade de acompanhar/preparar um grande evento organizado entre a CMA e a Embaixada da Palestina. Fiquei a representar a biblioteca, com um trabalho tremendo num curto espaço de tempo (o evento decorreria durante a semana do Dia da Mulher).
E o corpo gritou para eu ouvir. Não percebi. Tive que parar uns dias antes do evento, mas, por me sentir tão mal, pela sensação de estar a falhar com quem tinha apostado tanto em mim (hoje claro que substituiria por "com quem tinha abusado tanto de mim"), ainda interrompi a baixa antes do tempo para ultimar uns pormenores do evento e lá estar no grande dia.
Depois houve sempre sinais que, naquele momento, não valorizei: a forma e tom com que a chefia em causa falava com as pessoas (mas se o faz, é porque as as pessoas fizeram algo de muito errado, pensava eu); as críticas constantes que ela fazia à equipa quando vinha conversar comigo para o gabinete; o próprio "agir pelas costas", instalando-me num gabinete de outros sem falar previamente; o lembrar-se de trabalho sistematicamente a partir das 17h30 (quando eu saía às 18h...), entre outros sinais.
Saliento, todavia, que apesar de não dar importância a estas coisas, sentia-as com estranheza e ficava com a sensação de que algo não batia certo. Mas coisas da intuição não são dignas de valor, sobretudo em contexto laboral, não é? Pois bem, esta é uma grande lição que tiro disto tudo para mim: coisa mais certa não há do que o nosso farol interno. Deixemo-nos guiar por ele mais vezes.
Força e Saúde!
Alexandra Marques
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